Sobre sorvetes e mercados
Qual seria a melhor época do ano para se tomar sorvetes? Um bom vendedor possivelmente responderia: sempre, afinal de contas no inverno o sorvete mantém a consistência enquanto no verão ele te refresca.
De uma forma menos lúdica, quando tentamos formar nossa opinião sobre a atratividade do mercado de ações brasileiro por meio de pessoas e instituições que são beneficiadas financeiramente por isso, estamos lidando tipicamente com um caso de conflito de interesse em que não nos parece sensato esperar por uma opinião imparcial. Esse conceito é muito bem complementado por uma célebre passagem de Adam Smith, em que diz: “não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses”.
Entendemos que após 5 anos de retornos positivos e expressivos, seja difícil olhar para a bolsa brasileira com cautela, principalmente para os investidores com pouca experiência. Ainda que esperemos bons resultados das companhias listadas, se torna algo relativamente tranquilo perceber a atratividade de outras classes de ativos, principalmente da renda fixa.
Sempre que montamos um portfólio e pensamos nas possíveis estratégias e classes de ativos que o comporão, é fundamental nos preocuparmos com a provável trajetória daquela carteira ao longo dos próximos anos, simulando tanto cenários de estresse quanto de bonança, afinal de contas nem todas as pessoas estão dispostas a chegar em uma praia paradisíaca (retorno potencial) se o único acesso for uma trilha fechada de 50km (trajetória).
Quando analisamos o cenário macroeconômico global e nacional, e a relação retorno-risco de diversos ativos, entendemos que a base dos portfólios deva estar em renda fixa local, especialmente em títulos de companhias privadas, atrelados ao CDI e à inflação, exatamente o que tentamos expressar em nossa realocação.
Em agosto, os investidores globais acompanharam de perto a fuga dos americanos do território afegão, o avanço da variante delta nos países desenvolvidos já vacinados e diversos discursos que pudessem indicar quando deve acontecer a retirada dos estímulos financeiros nos EUA. Mesmo com uma pauta tão densa, quando olhamos o mercado de ações global, percebemos um certo descolamento da bolsa brasileira, evidenciado pelo fechamento recorde dos preços do índice S&P500 com alta de 2,9% em agosto versus uma queda de 2,5% do índice Ibovespa.
Enquanto isso, no mundo da renda fixa clássica (pós-fixada atrelada ao CDI e com liquidez), o investidor conservador volta a sorrir ao presenciar retorno mensal próximo a 0,50% no mês na tentativa do Banco Central de responder à alta dos preços. Ainda, vemos a oferta de bons títulos de renda fixa de longo prazo sinalizando retornos bem próximos ao número mágico: 1% ao mês. Definitivamente, a renda fixa não morreu e o ato de investir é muito mais do que esperar que a bolsa suba - exceto para quem só vende sorvetes.
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